quarta-feira, agosto 22, 2007

DISPARIDADES, SINGULARIDADADES ou CURIOSIDADES ?


Dirá um brasileiro: “Esse país não tem jeito!” Qual país? O Brasil. Então porque não dizem “Este país não tem jeito?” A resposta é de uma simplicidade tocante: porque não!
Sem razão aparente, ou talvez por demasiado científica, o “este” quase desapareceu do português do Brasil, para dar lugar a “esse”! O “este” só é usado em casos de extrema raridade.
Agora que o livro “Um Abraço à Vela” foi para a editora, começou por passar pela revisão de duas especialistas, que devem ter feito talvez um milhar de propostas de correções ao texto inicial, para além daquelas gralhas evidentes ou erros de digitação.
Faltavam muitas vírgulas, muitas. Na reunião para discutir as prepostas correções, houve que fazer um pequeno preâmbulo para que as senhoras ficassem cientes de que não se tratava de rever um texto de Machado de Assis, o purista, o mais correto escritor de língua portuguesa do Brasil, nem de Guimarães Rosa com todos os seus regionalismos, e muito menos do senhor prémio Nobel que não usa vírgulas, nem pontos, nem nada desses (ou destes?) sinais de pontuação, provocando faltas de ar em quem se atreve a ler as suas premiadas obras.
Passou-se à revisão, e logo se deparou entre o autor e as simpáticas revisoras um pequeno problema: possivelmente por uma questão de economia, o brasileiro quase já não usa, também, o pronome pessoal. Por exemplo, os portugas dirão: “no cais estava o João, o Fagundes, o Afonso e a Tereza.” Enquanto por aqui “estaria João, Fagundes, Afonso e Tereza.”
E quando se tocou na famigerada crase, aí a “nossa briga” animou, no meio de animada e alegre - sempre - troca de opiniões, porque para crasear há que ter a preposição e o pronome, com o efeito, em Portugal, de abrir a vogal, que no Brasil está sempre aberta. Como os braços do Cristo do Corcovado, seja o “a” mudo ou não.
O livro, escrito num (em um!) linguajar mestiçado de português das várias margens do grande rio Atlântico, causava alguma dificuldade ao “purismo” da língua, acabando por concluir-se, com humildade, que não se tratava de uma obra de literatura, mas de um relato e impressões de viagem, necessitando para isso, o autor, de se expressar sem pretensões de ser proposto a imortal de qualquer academia!
Nem sempre a vitória foi do autor! Como no próprio título da obra: “Um Abraço à vela!” A que propósito é que este (esse?) “à” aqui é craseado? As revisoras propuseram uma comparação bem simples: “E se o abraço fosse num barco com motor? Seria um Abraço a motor ou ao motor?” Aí o autor capitulou! Não havia dúvidas. A crase no título está errada. Mas quem vai dizer, em português, com o “a” mudo, “Um Abraço a vela?” Ninguém. Não faria sentido.
À boa moda ditatorial houve que impor a opinião, mesmo que cientificamente errada, do autor:
Vai ter que levar a crase! Levou. E o livro, com crase e tudo, vai ficar muito bom.
São estas singularidades ou disparidades ou... que nos unem. São as curiosidades da língua. É a riqueza da Lusofonia. A falar é que a gente se entende.
21-ago-07

P.S.- Continuamos a "fazer rumo" para o lançamento do livro no dia 22 de Setembro. Aguardem mais um pouco.

Imagem: o "Mussulo" a caminho de Angola!

terça-feira, agosto 14, 2007

A grande largada !







03/Dez – Dia da largada
Às 14h50 o Tio solta o primeiro apito, e avisa que sobram só dez minutos para todos se abraçarem e despedirem!
Cinco minutos depois segundo apito. Algumas lágrimas teimam em aparecer, escondidas, sobretudo nos olhos da “Tia” que, mesmo a contra gosto, licenciara o “Dom Quixote” para esta aventura.
Às 15h00, precisas, o “Mussulo”, embandeirado, imponente, solta as amarras da Marina da Glória.
O Comandante, avisado do quase-desastre do diesel-água, limitou-se
a dizer que teríamos que voltar ao Iate Clube para reabastecer!
Em poucos segundos o “Mussulo” afasta-se do cais, sobe o grande e, lá vai ele a caminho do Iate Clube, reabastecer o tanque que se esvaziara. Atraca, carrega quase cem litros, e agora, sim, vai começar a grande Travessia.
Andados uns escassos metros, desculpem, braças, avista-se uma das defensas do barco que se tinha desprendido e vogava entre as embarcações fundeadas no Clube! Volta atrás, pesca a defensa com o arpão que se carregara para levantar os peixões das grandes pescarias que se pressupunha iam acontecer no alto mar, retoma-se o rumo para a saída da Baía da Guanabara.
Nessa altura o Comandante procedendo a uma mais minuciosa vistoria ao barco, descobre que a bomba de porão não estava a funcionar e que o dito porão estava cheio, cheio de água.
Tio ao leme, procurando navegar sempre no contravento (bolina) para o barco se inclinar, Comandante e Levantador, de joelhos no chão, panos e esponjas, baldes e bartedouros improvisados, despejando a água no lava louças! Ali, dentro da Baía, um bordo até à praia, outro para fora, e volta, diversas vezes, com o barco inclinado para se poder melhor apanhar a água, andou-se mais de uma hora!
Que início, iniciozinho de viagem! Finalmente, eram já 17h30, rumo à saída da Baía, vento totalmente pela proa, a motor, o Mateus após todo aquele começo dentro da cabine, ajoelhado e a apanhar a água, não agüentou e enjoou! O Comandante levou também uma boa estafa, mas rijo como é, ficou firme. Atribuiu toda aquela água, água doce, à grande chuvada que caíra na véspera, porque pelo mastro sempre desce alguma. A verdade é que parecia água demais para ter escorrido pelo mastro. Mas o Comandante falou...
Rumo 140°, a motor, quando uma hora mais tarde se altera para 180° e se desenrola a genoa. Vento fresco, mar muito revolto, bolina (contravento) quase cerrada, andamento entre 2,6 a 3,7 nós, bem devagar, voltou o motor que acabou por trabalhar 6 horas neste primeiro dia.
À noite, ao tentar preparar o jantar, foi a vez do Tio ficar fora de serviço! Já embarcara com o físico derreado, o mínimo esforço acabou com ele! O próprio Comandante não estava lá aquelas coisas!
Resultado, no horário combinado para comunicação com o rádio amador Aldir Muniz, às 22h00, neste primeiro dia ninguém estava em condições de se sentar à mesa de navegação e o fazer. Passou-se assim sem noticiar!
ATENÇÂO: o lançamento do livro, em Lisboa (ou arredores) será no dia 22 de Setembro. Local e hora ainda a definir.


Nota:

O Tio nada pintou durante a viagem, como seria de esperar, mas depois tem-se entretido a recordar, com algumas tintas - óleo, canetas de feltro e aquarelas - a maravilha que foi aquela aventura!
Acima vão três desses "ataques" à arte!



sábado, agosto 04, 2007

Durante os preparativos







Véspera da largada: tudo parece estar “quase” em ordem.
Ninguém sabe bem como operar com todos os recursos do rádio, mas pode-se usá-lo da forma mais simples, sintonizando manualmente as várias freqüências que em principio se vai transmitir, assunto que nenhum dos tripulantes saberia informar! Depois se verá.
Combustível atestado; velas arrumadas na cabine de vante, junto com boa parte dos alimentos, carregador de baterias e reserva de gasolina nos seus lugares, assim como os coletes salva vidas e as roupas de frio. Definidos os lugares para cada um dos tripulantes guardar a sua roupa.
Só falta encher os depósitos de água. São dois, intercomunicando-se, mas, para mais rápido enchimento, uma válvula que os separa na entrada, dentro da cabine. Válvula aberta para o primeiro depósito e o João Amorim enfia lá a mangueira, depois de se terem introduzido, à cautela, algumas pastilhas de cloro. O tanque vai enchendo, o Tio dentro da cabine a controlar. Neste ínterim toca o telefone. Era o Comandante a perguntar alguma coisa, e logo a seguir o João anuncia que já estava cheio e até a jogar água fora. Tira fora. Já vamos encher o outro. Quando termina a rápida conversa com o Comandante, muda-se a posição da válvula para o depósito de vante: Pronto. Podes encher o outro. Ouve-se uma voz, do João, afastado da entrada da água: Já estou a encher!
- MEU DEUS! PÁRA! Esse é o tanque do diesel!!!!
(Daqui a dias conto mais, do que está no livro!)
O João, muito amável, a querer colaborar, ouvindo dizer que o primeiro tanque estava cheio foi encher o “segundo”, e enfiou a mangueira da água no tanque do combustível!!! Quatro horas da tarde, na véspera da partida!
Sai o Tio feito louco, elevado nível de batimentos cardíacos, à procura de alguém que lhe venha retirar todo o combustível daquele tanque - 100 litros - e o lave muito bem, porque ninguém soube quanta água lá entrou! Que pesadelo!
Ao fim de mais duas horas chegou um mecânico, recomendado para isso. Vai buscar baldes e um bidão vazio, panos, etc.
O Tio tinha em casa festa de despedida, mas o seu coração e pensamento estavam no barco. Neste meio tempo desaba sobre o Rio um daqueles temporais que inundam tudo, até a avenida de acesso à Marina. Perto da 9 horas da noite toca o telefone: O serviço está pronto, o tanque sequinho, o barco também, porque nada entornou. Não precisa vir à Marina, até porque o trânsito, com a chuva, está interrompido!
Graças a Deus. Mas... será que está tudo em ordem e nós vamos largar amanhã? Imaginem como o Tio dormiu nessa noite.